Para orçamentos e encomendas:

Ligue 61- 991020241 ou mande um e-mail: celiadf10@yahoo.com.br

29 agosto, 2010

26 agosto, 2010

Perdidos na excursão

Marquito desabou na poltrona. Completamente moído. Exausto! Agarrou o telefone, ligou pro Tiagão. Dos dois lados do fio, só queixas e reclamações. E altos xingos.
Bocas raivosas, por nada ter dado certo. Só confusão durante a excursão inteira.
Marquito relembrou a saída orgulhosa. Um final de semana ecológico-aventureiro. Certeza de voltar triunfantes! Muito pra contar e pra exibir. Turma animada e a fim de descobrir o esconderijo-paraíso dos micos-leões-dourados. Tiagão ouvia rindo. Logo enfezou. Lembrou da primeira desviada. Um caminho lindo que deu numa cachoeira despencante. Puladas, procuras, nadadas, volta estropiada pra estrada arrebentada... Depois, só mancadas... A chuva desviante da trilha. A paralisada hesitante se era pra virar à direita ou à esquerda. Os em-frente-marche dando em barreiras fechadas, sem brecha pra passagem. As voltas, semivoltas, voltas inteiras. A parada pra comilança quase dentro duma fazenda murada e o dono surgindo com as armas em punho... Horror total!!
Marquito parou de sorrir. Partiu pros desabafos gritados. A armação das tendas no escuro e a descoberta rápida de o lindo lugar estar cercado de cobras... Berros desesperados! O dar de cara com uma margem do rio sem nenhuma ponte para cruzar... O medaço de se afogar atravessando a pé.
Tiagão espirrou. Gripou bravo. Desligou avisando que foi a primeira e última excursão ecológica. Pra ele, fim de papo. Marquito resmungou enfezado. Jurou jurado. Outra, só sabendo antes por onde ia pisar. Chegava de perder tempo, perder a paciência, perder o ânimo.

Fanny Abramovich

Folhas Secas

Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente.
Todos?
Quase. Carolina equilibrava o apontador na ponta da régua, Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio, Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio.
O pátio? O que acontecia no pátio?
Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas e amontoava e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder - sem descuidar
da minha aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa.
Qual o motivo do espanto?
Hélder percebeu alguma coisa no meio das folhas movendo-se deseperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava possibilidades, mas o perfil do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico.
Um pássaro novo caiu do ninho e foi confundido com as folhas secas e foi varrido e agora lutava pela liberdade.
- Ele tá preso!
O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127. Todos os alunos olharam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E antes
que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra “calma”, o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas voaram e as crianças pularam de alegria.
Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.
Para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassouras, pás e sacos plásticos e fomos varrer novamente o pátio.

Francisco Marques (Chico dos Bonecos)

A seca e o inverno


Na seca inclemente no nosso Nordeste
O sol é mais quente e o céu, mais azul
E o povo se achando sem chão e sem veste
Viaja à procura das terras do Sul

Porém quando chove tudo é riso e festa
O campo e a floresta prometem fartura
Escutam-se as notas alegres e graves
Dos cantos das aves louvando a natura

Alegre esvoaça e gargalha o jacu
Apita a nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre os verdores
Beijando os primores do meu Cariri

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vaga-lumes
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes

Se o dia desponta vem nova alegria
A gente aprecia o mais lindo compasso
Além do balido das lindas ovelhas
Enxames de abelhas zumbindo no espaço

E o forte caboclo da sua palhoça
No rumo da roça de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo e contente
Lançar a semente na terra molhada

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel prazenteiro modesto e feliz
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país

Cordel de Patativa do Assaré

O dicionário de formas

Era uma vez eu, Zé Sorveteiro, que me apaixonei por uma princesa que acabara de chegar do outro lado da Terra. Bolei para ela um dicionário de quatro palavras: bola, quadrado, retângulo, triângulo. Japonês se escreve com desenhos. Com desenhos a princesa aprenderia português!
Não demorou, ela estava arrasando. Ia até meu carrinho e pedia, desenhando no ar:
– Triângulo-bola.
Sorvete na casquinha! O dicionário funcionava às maravilhas.
Eu? Mandava bilhetes. Desenhava um quadrado com um triângulo em cima e escrevia: casa!!! Caprichava nos pontos de exclamação. Casa!!! Casa!!! Fácil de entender: casa comigo.
Mas toda princesa tem uma fera para encontrar bilhetes. Uma hora a fera mandou me chamar. Aí…
Aí eu transformei ponto de exclamação em sinal de aguaceiro:
– Um traço com um pingo é chuva. Três – !!! – muita chuva. Casa, chuva, chuva, chuva. Estou só avisando… Cuidado com goteiras.
Acabei subindo e limpando as calhas do telhado do futuro sogro e as de cada um de seus amigos e parentes.
Hoje, 60 anos depois, repito, valeu a pena. E lá vou eu apanhar uns triângulos vermelhos para a minha rainha arrumar no triângulo do retângulo do quadrado da frente. Perfeito. Daqui a pouco a jarra da mesa da sala estará toda perfumada com os… Como é mesmo? Vá lá! Com os triângulos vermelhos.
Angela Lago

Um encontro fantástico

Todos os anos eles se reuniam na floresta, à beira de um rio, para ver a quantas andava a sua fama. Eram criaturas fantásticas e cada uma vinha de um canto do Brasil. O Saci-Pererê chegou primeiro. Moleque pretinho, de uma perna só, barrete vermelho na cabeça, veio manquitolando, sentou-se numa pedra e acendeu seu cachimbo. Logo apontou no céu a Serpente Emplumada e aterrissou aos seus pés. Do meio das folhagens, saltou o Lobisomem, a cara toda peluda, os dentes afiados, enormes. Não tardou, o tropel de um cavalo anunciou o Negrinho do Pastoreio montado em pêlo no seu baio.
– Só falta o Boto – disse o Saci, impaciente.
– Se tivesse alguma moça aqui, ele já teria chegado para seduzi-la – comentou a Serpente Emplumada.
– Também acho – concordou o Lobisomem. – Só que eu já a teria apavorado.
Ouviram nesse instante um rumor à margem do rio. Era o Boto saindo das águas na forma de um belo rapaz.
– Agora estamos todos – disse o Negrinho do Pastoreio.
– E então? – perguntou o Boto, saudando o grupo. – Como estão as coisas?
– Difíceis – respondeu o Saci e soltou uma baforada. – Não assustei muita gente nesta temporada.
– Eu também não – emendou a Serpente Emplumada. – Parece que as pessoas lá no Nordeste não têm mais tanto medo de mim.
– Lá no Norte se dá o mesmo – disse o Boto. – Em alguns locais, ainda atraio as mulheres, mas em outros elas nem ligam.
– Comigo acontece igual – disse o Negrinho do Pastoreio. – Vivo a achar coisas que as pessoas perdem no Sul. Mas não atendi muitos pedidos este ano.
– Seu caso é diferente – disse o Lobisomem. – Você não é assustador como eu, o Saci e a Serpente Emplumada. Você é um herói.
– Mas a dificuldade é a mesma – discordou o Negrinho do Pastoreio.
– Acho que é a concorrência – disse o Boto. – Andam aparecendo muitos heróis e vilões novos.
– Pois é – resmungou a Serpente Emplumada. – Até bruxas andam importando. Tem monstros demais por aí...
– São todos produzidos por homens de negócios – disse o Saci. – É moda. Vai passar...
– Espero – disse o Lobisomem. – Bons aqueles tempos em que eu reinava no país inteiro, não só no cerrado.
– A diferença é que somos autênticos – disse o Negrinho do Pastoreio. – Nós nascemos do povo.
– É verdade – disse o Boto. – Mas temos de refrescar a sua memória.
– Se pegarmos no pé de uns escritores, a coisa pode melhorar – disse a Serpente Emplumada.
– Eu conheço um – disse o Saci. – Vamos juntos atrás dele! – E foi o primeiro a se mandar, a mil por hora, em uma perna só.

Conto de João Anzanello Carrascoza